25.4.17

“Fake news” vs. “Factos alternativos”: quem ganha?



“O público já não acredita em vocês (jornalistas). Talvez eu tenha tido alguma coisa a ver com isso. Não sei.” – Donald Trump 



Na passada quinta-feira, a dias de completar um mês à frente da presidência dos Estados Unidos, Donald Trump deu a primeira conferência de imprensa a solo, enquanto presidente, e, mais uma vez, falou e deu que falar. O pretexto era o anúncio do nome de Alexander Acosta para secretário do Trabalho, depois de Andrew Puzder, a primeira aposta para o cargo, se ter retirado da corrida. Os jornalistas preferiram questionar as alegadas relações da agora nova Administração com a Rússia. O presidente preferiu falar do desastre que são os media norte-americanos. Foi, portanto, um dia (quase) normal para quem é seguidor assíduo da conta de Twitter pessoal do presidente. 

Durante aproximadamente 77 minutos de conferência de imprensa – que, na verdade, mais se assemelhou a um monólogo –, Donald Trump procurou dirigir-se aos cidadãos e cidadãs norte-americanos da forma mais directa possível. Aos jornalistas, cabia a muito simples tarefa de colocar as perguntas. 

Depois de anunciar o nome de Acosta – primeiro ponto na ordem de trabalhos -, o presidente dirigiu-se aos presentes na sala, expressando uma certa vontade, que admitiu poder não ser sequer possível, de construir uma relação “um bocadinho melhor” com os jornalistas. Não deixou, por isso, de demonstrar um profundo descrédito em relação à imprensa, cujo nível de desonestidade “está fora do controle”. 

Donald Trump acrescenta ainda que “a imprensa ficou tão desonesta que se não falarmos sobre isso não estaremos a fazer um bom serviço ao povo americano”. Talvez alguém devesse explicar ao senhor presidente que esta não é a melhor maneira de melhorar uma relação. 

A primeira “mentira” que os jornais contam é sobre a prestação da nova Administração. “Eu ligo a T.V., abro os jornais e vejo estórias de caos. Caos. Ainda assim, é exactamente o oposto. Esta administração está a andar como uma máquina afinada”, explica. A “verdade” do presidente é que herdou uma “confusão” e não acredita que nenhum antecessor seu tivesse feito, em tão pouco tempo, um tão bom trabalho. 

Aliás, depois de Ronald Reagan, nem no Colégio Eleitoral outro presidente conseguiu tão bons resultados. Bem, excepto Obama, Bill Clinton e Bush (pai). Mas quando, no decorrer da conferência de imprensa, um jornalista o confronta com os números reais, Donald Trump apressa-se a responder que “viu essa informação por aí”. 

A outra grande “mentira” está em todas as notícias que divulgam a informação de contactos estabelecidos entre responsáveis da campanha de Trump e a Rússia. Trump chama-lhes “fake news”. Associado à demissão de Michael Flynn, este foi um dos temas quentes da conferência de imprensa e o preferido dos jornalistas. 

Depois de muitos rodeios, sem nunca responder directamente às perguntas colocadas, o presidente acaba por admitir a veracidade do conteúdo das fugas de informação. “As fugas de informação são reais. Foram vocês que escreveram sobre elas e as relataram. (…) Vocês sabem o que elas dizem, vocês viram-nas.” 

Estas declarações não parecem fazer sentido e são, aliás, no mínimo, contraditórias. A informação é verdadeira, mas as notícias são falsas? Os jornalistas presentes também não compreenderam e pediram um esclarecimento, que, à primeira vista, foi tudo menos claro: “Eles (o público) lêem jornais, vêem televisão. Não sabem se é verdade ou falso, porque não estão envolvidos. Eu tenho estado envolvido com estas coisas toda a minha vida (…), por isso, eu sei quando vocês estão a dizer a verdade ou quando não estão”. 

Descodificar isto não é fácil, mas Donald Trump parece querer assumir-se com fonte de legitimação dos media; ser a figura que diz aos norte-americanos se o que lêem nos jornais e vêem nas televisões é verdade ou não, porque está envolvido e tem essa legitimidade. Mais uma vez, alguém devia explicar ao senhor presidente que não é bem assim que funciona. 

Dizem as teorias do jornalismo que este deve funcionar como quarto-poder, o “cão de guarda” dos outros três – executivo, legislativo e judicial. É assim, pelo menos, desde 1828, quando McCaulay se referiu a esse tal quarto-poder. As mesmas teorias dizem também que jornalismo só faz sentido quando assente numa postura de desconfiança, e que a sua legitimidade está na própria teoria da democracia. 

Mas não parece ser este tipo de jornalismo que o presidente do “Mundo Livre” defende quando diz que seria o maior fã dos jornalistas se o tratassem bem. Ou quando silencia um jornalista a meio de uma pergunta sobre uma América anti-semita depois das eleições de 8 de Novembro, e o acusa de ser desonesto. Donald Trump não quer um quarto-poder, mas um apêndice do seu próprio poder. Quer um “cão de guarda”, mas para proteger a sua casa, e não para que ela seja vigiada com desconfiança. 

Há muito que está instaurada a guerra entre os media e o agora presidente Trump, e, se dúvidas restassem, a conferência de imprensa da passada quinta-feira veio confirmá-las. Os jornalistas, cumprindo a sua função histórica, escrutinam o poder, talvez até mais do que aquilo a que nos têm acostumado. Do outro lado da barricada, a nova Administração fala de um jornalismo minado de “fake news” e apresenta os seus próprios “factos alternativos” – o mais recente foi o ataque terrorista na Suécia, mas o presidente já se veio desculpar e dizer que viu essa informação na Fox News. Que alívio. 

Os gritos de descredibilização dos media são cada vez mais altos, e a dificuldade em acreditar nos jornalistas é cada vez maior. Trump admite: “O público já não acredita em vocês (jornalistas). Talvez eu tenha tido alguma coisa a ver com isso. Não sei.” Se teve ou não, é difícil dizer com certezas. Mas tentativas não têm faltado. E para o caso de algumas pessoas terem perdido as imagens da conferência de imprensa, Trump foi fazer o que faz melhor: escrever no Twitter.

Os jornalistas também vão continuar a fazer o que fazem melhor: escrutinar o poder. A única coisa que resta saber é qual deles vai assinar o princípio do fim de Donald Trump, porque a História já nos ensinou que o jornalismo é capaz. E Donald Trump, mais do que qualquer outro, não vai ser deixado em paz.

Originalmente publicado em: A Drogaria

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